De modo geral, minhas amigas se assustam quando declaro minhas preferências políticas. Perguntam-me como uma pessoa “esclarecida” como eu tem coragem de votar no Lula, na Marta, só para ficar nesses dois exemplos. Eu poderia citar muitas razões. Mas vou ficar com as razões de Hobsbawm- numa citação já transcrita aqui, diga-se. Embora reconheça que o governo do PT está longe do ideal descrito por Hobsbawm, considero que governos de outros partidos, até agora, têm se mostrado mais longe ainda. Vamos então a Hobsbawm. Em uma conferência para estudantes da Universidade Central de Budapeste, o historiador escreveu o seguinte (o grifo foi acrescentado por mim):
“Como estudantes desta universidade, vocês são pessoas privilegiadas. As perspectivas são as de que, como bacharéis de um instituto conhecido e prestigiado, irão obter, se assim escolherem, uma ótima condição na sociedade, carreiras melhores e ganhos melhores que os de outras pessoas, embora não tanto quanto os de prósperos homens de negócios. O que eu quero lembrar a vocês é algo que me disseram quando comecei a lecionar em uma universidade. ‘As pessoas em função das quais você está lá’, disse meu professor, ‘não são estudantes brilhantes como você. São estudantes comuns com opiniões maçantes, que obtêm graus medíocres na faixa inferior das notas baixas, e cujas respostas nos exames são quase iguais. Os que obtêm as melhores notas cuidarão de si mesmos, ainda que seja para eles que você gostará de lecionar. Os outros são os únicos que precisam de você”.
Isso não vale apenas para a universidade mas para o mundo. Os governos, o sistema econômico, as escolas, tudo na sociedade, não se destina ao benefício das minorias privilegiadas. Nós podemos cuidar de nós mesmos. É para o benefício da grande minoria das pessoas, que não são particularmente inteligentes ou interessantes (a menos que, naturalmente, nos apaixonemos por uma delas), não têm um grau elevado de instrução, não são prósperas ou realmente fadadas ao sucesso, não são nada de especial. É para as pessoas que, ao longo da história, fora de seu bairro, apenas têm entrado para a história como indivíduos nos registros de nascimento, casamento e morte. Toda sociedade na qual valha a pena viver é uma sociedade que se destina a elas, e não aos ricos, inteligentes, excepcionais, embora toda sociedade em que valha a apena viver deva garantir espaço e propósito para tais minorias. Mas o mundo não é feito para o benefício pessoal, e tampouco estamos no mundo para nosso benefício pessoal. Um mundo que afirme ser esse o seu propósito não é bom e não deve ser duradouro”.
Hobsbawm, E. (1998). Sobre História. Companhia das Letras
Embora o governo do PT tenha incontáveis defeitos, acho que nunca na história deste país (para usar um termo que seus críticos adoram quando querem achincalhar Lula) se olhou tanto para essa grande maioria a que Hobsbawm se refere. O que foi feito para aqueles que mais precisam foi muito pouco, é verdade, mas em regimes democráticos não se corrigem injustiças sociais histórias de uma década para outra. É por esta razão que votei na Marta: porque acredito que ela está mais alinhada com o pensamento de Hobsbawm do que seu adversário.