Comportamento humano e prática cultural

Skinner (1981) defendeu que comportamento humano é resultado da interação entre variáveis pertencentes a três níveis de seleção por consequências: filogenético, que diz respeito a historia da espécie; ontogenético, que se refere à história de interação de um indivíduo com seu ambiente físico e social; e, por fim, nível cultural, relacionado com práticas dos grupos, transmitidas a seus integrantes de geração a geração. A análise de Skinner (1981) acerca do terceiro nível de seleção por consequências parece ter contribuído para estimular analistas do comportamento a iniciar uma linha de pesquisa sobre cultura.

Glenn (2004) busca demonstrar como interações entre variáveis pertencentes aos três níveis de seleção por consequências, referidos por Skinner (1981) – nível biológico, ontológico e cultural – resultam em culturas cada vez mais complexas, baseadas em comportamentos aprendidos e na transmissão de comportamentos aprendidos. Nos termos de Glenn (2004):

“Culturas com níveis de complexidades crescentes têm emergido pelo intercâmbio entre capacidade humana para aprendizagem, contingências de reforço que explicam os comportamentos aprendidos por indivíduos, e a transmissão cultural de comportamentos aprendidos” (p.133).

Para Glenn (2004), ao discutir influencias filogenéticas na emergência das culturas, cita duas características que julga sobressair-se em humanos em comparação com organismos de outras espécies: sociabilidade – “predisposição do ser humano a passar a maior parte de seu tempo próximo de outros humanos” – e potencial para aprendizagem, também considerado superior em humanos em relação a espécies. Essas características, nota Glenn (p.138), são fontes extras de complexidade pré-requisitos para a transmissão de comportamentos aprendidos a novas gerações.

Glenn (2004) define cultura como “padrões de comportamentos aprendidos e transmitidos socialmente, assim como os produtos desses comportamentos (objetos, tecnologias, organizações, etc.)”’(p. 139). Aprendizagem compreende, segundo Glenn, recorrências de relações temporais de um único indivíduo diante de outros eventos empíricos.  Ao contrário disso, o locus do fenômeno cultural sempre envolverá “a repetição de comportamentos entrelaçados de dois ou mais organismos”. Em uma contingência operante típica, comportamentos de um podem funcionar como situação para o comportamento do outro ou como consequência ao comportamento de outro. Conforme Glenn, a transmissão cultural não depende de novos traços biológicos ou de novos processos comportamentais, “mas inicia novo tipo de linhagem, descrita como linhagem culturo-comportamental” (p.139) [grifo acrescentado].

Glenn define linhagem culturo-comportamental como a recorrência de instâncias comportamentais entrelaçados, aprendidas e transmitidas a novas gerações de integrantes de uma prática cultural. Linhagem culturo-comportamental é análoga a linhagem ou classe operante, que descreve a recorrência de instâncias comportamentais no fluxo comportamental de indivíduos. (Glenn, 2003, 2004)

A emergência e a evolução de uma cultura compreende, segundo Glenn, interações entre: (a) contingências que explicam a seleção comportamental em nível operante; (b) macrocontingência ou relação entre práticas culturais com a soma do efeito agregado dos macrocomportamentos constitutivos da prática; (c) metacontingências que explicam a seleção do entrelaçamento de conjuntos de práticas sociais particulares de instituições culturais. Glenn ressalta, em conformidade com Skinner (1953, 1981), que em todas essas relações o mecanismo causal é a seleção operante, em que reforçamento é o princípio fundamental, quer dizer, reforçamento é o princípio em que outros princípios se baseiam (Glenn, 2004, p. 134).

Glenn (2004) define práticas culturais como “padrões de conteúdos comportamentais semelhantes, resultantes, normalmente, de semelhanças nos ambientes” nos quais há recorrências dessas práticas (p.141). A única exigência para que padrões comportamentais sejam classificados como prática cultural é a existência de semelhanças nos comportamentais de vários indivíduos. Conforme Glenn, não é necessário envolver transmissão nem supor origem comum da prática. (Glenn, 2004, p.140)

Seleção cultural envolve, segundo Glenn, tipicamente, relações de macrocontingência e de metacontingências. Macrocontingência caracteriza-se como “relação entre uma prática cultural e a soma agregada de macrocomportamentos compreendidos na prática” (p.142). É o caso de milhões de pessoas que vão ao trabalho dirigindo o próprio carro, produzindo efeitos cumulativos (poluição atmosférica, por exemplo). Nesse exemplo, além de efeitos imediatos, que alteram a probabilidade da recorrência do comportamento de cada indivíduo (p. ex., chegar ao trabalho dentro de dado intervalo de tempo, gastando uma quantia específica com combustível e com supostamente mais conforto do que fazer o percurso por meio de transporte coletivo), a prática produz outros efeitos (não contingentes ao comportamento individual) que vão se acumulando ao longo do tempo. Cada ocorrência do comportamento envolvido em uma prática cultura aumenta, em alguma medida, o efeito cumulativo da prática, e soma dos efeitos cumulativos pode se tornar fonte de problemas para as culturas. Conforme Glenn (2004):

“Quanto mais disseminada for a prática, maiores seus efeitos cumulativos; quanto maior o efeito cumulativo, maior a importância deles para o bem-estar de grande número de pessoas. Cada pessoa contribuindo para o efeito acumulado contribui em proporção direta com a frequência de seu comportamento. É o efeito cumulativo do comportamento em uma prática cultural que constitui problema para pessoas de uma cultura”. (p. 143)

O fato de o efeito do comportamento de um único indivíduo parecer inexpressivo para o efeito cumulativo da prática representa mais um desafio para se realizar mudanças em relações de macrocontingência, como ressalta Glenn (2004) nesta passagem:

“Não é apenas uma questão de a consequência ser pequena demais, atrasada demais ou cumulativa demais para ter função comportamental, embora tudo isso seja verdadeiro e importante . .. mesmo que, por alguma mágica, fôssemos capazes de dar a essas consequências funções poderosas, a própria consequência pode ser anulada pelo comportamento de outras pessoas. Nosso trabalhador, altamente motivado a ter ar puro, pode pedir carona (Carpool) pelos próximos 20, 30 anos, mas se muitas pessoas não fizerem o mesmo, o ar não se tornará mais limpo”. (p. 141)

Nas relações de metacontingências o mecanismo de seleção opera sobre o entrelaçamento de conjuntos particulares de comportamentos e não sobre instâncias singulares. Relações de metacontingências originam, segundo Glenn, “coleções organizadas de contingências comportamentais que constituem complexas instituições culturais de vários níveis” (p.145). Neste  trecho de seu artigo, Glenn (2004) esclarece como se dão interações entre comportamento operante e seleção de/por metacontingências:

O conceito de metacontingência descreve evolução por seleção quando  linhagens que evoluem não são recorrências de atos individuais … mas recorrência de contingências comportamentais entrelaçadas (CCEs) que funcionam como unidades integradas e resultam em produtos agregados que afetam a probabilidade da recorrência de CCEs no futuro. A recorrência de CCEs compreende contingências operantes em que o comportamento de duas ou mais pessoas funciona como evento comportamental para o comportamento de outros. O resultado produzido pela recorrência de CCEs não é o efeito cumulativo de participantes agindo individualmente, mas o efeito do entrelaçamento comportamental. (pp. 144-145)

Glenn cita como exemplo de relações de metacontingências, comportamentos coordenados de duas pessoas preparando uma refeição, cujo produto – todos os pratos incluídos no cardápio, preparados em dado intervalo de tempo – não seriam igualmente produzidos se cada cozinheiro estivesse trabalhando individualmente. Nesse caso, o que é crucial para a seleção é o produto resultante do entrelaçamento comportamental e não o efeito acumulado do comportamento de cada cozinheiro agindo individualmente. (Glenn, 2004, p. 145)

Nas relações de metacontingências, ressalta Glenn, a mudança no comportamento dos participantes envolvidos na linhagem cultural quase sempre provoca ajustes nas contingências comportamentais entrelaçadas (CCEs) e representa oportunidade ou ameaça para a sobrevivência da linhagem. Encontram-se relações de metacontingências em empresas, com seus fornecedores e demais parceiros comerciais; escolas, com órgãos educacionais a que pertencem; universidades, com seus departamentos, entre outras organizações que funcionam como unidades, e, como tal, dependem da recorrência de CCEs para continuar a reproduzir as próprias práticas. Conforme Glenn (2004):

“Cada uma dessas unidades existe enquanto as contingências comportamentais entrelaçadas (CCEs) produziram resultados que aumentem a probabilidade de recorrência de CCEs. São todas entidades que podem mudar e evoluir ao longo do tempo ou podem desaparecer”. (p. 146)

Ao discutir semelhanças entre seleção comportamental e seleção de metacontingências, Glenn ressalta que mudanças comportamentais exigem que as consequências do comportamento sejam variáveis (podem variar em magnitude, intermitência, entre outras dimensões). Nota que eventos antecedentes podem afetar instâncias do comportamento, mas a recorrência do comportamento depende da consequência. Nesse ponto, Glenn retoma Skinner (1957), e afirma que comportamento operante muda o ambiente, e a mudança resultante pode alterar a probabilidade futura daquela classe de comportamento ou linhagem comportamental. De forma semelhante, contingências comportamentais entrelaçadas (CCEs) produzem dado resultado. Recorrências futuras de CCEs, assim como suas características, dependem de relações diferenciais entre instâncias comportamentais e seus produtos. Ou nas palavras de Glenn (2004): “Mudanças endógenas ou exógenas às CCEs poderão resultar em variações que produzem diferentes resultados e tais resultados podem aumentar ou diminuir a probabilidade de recorrência de CCEs no futuro” (p. 147).

Referências

Glenn. S. S. (2004). Individual behavior, culture, and social change. The Behavior analyst, 27,  133-151.

Skinner, B. F. (1981). Selection by consequences. Science, 13, 4507, 501-504.