Alguém me perguntou, há poucos dias, como eu avaliaria uma classe com cerca de 90 alunos. Não respondi imediatamente porque nunca estive numa situação como essa e a pergunta me tirou o chão. Como se ensinam e se avaliam, de fato, tantos alunos ao mesmo tempo? Não me refiro à suposta aprendizagem em que o professor finge que ensina e o aluno finge que aprende, e sim ao papel do professor como mediador da aprendizagem. No momento em que fui questionada não me ocorreu uma resposta que fosse sincera e executável, tendo em vista o conceito de aprendizagem anterior e algumas limitações tecnológicas comuns nas classes tradicionais, como por exemplo, a falta de um computador por aluno ou por dupla na própria sala de aula.
Mas essa questão tem me inquietado há quase uma semana. Como ensinar e avaliar uma classe com 90 alunos? Depois de perder meu “time” ou não responder à pergunta no momento em que ela foi formulada, pensei na proposta que apresento a seguir. Essa proposta é baseada em Tecnologia do Ensino, livro de Skinner, publicado originalmente em 1968, em que ele apresenta duas tecnologias-chave para aprendizagem: máquinas de ensino – para apresentar o conteúdo ao alunos – e programação do ensino. Parte das dificuldades de Skinner, na época, se referiu ao fato de não existir PCs nem Internet. No atual cenário de desenvolvimento tecnológico sua proposta seria bem mais fácil de ser executada.
De qualquer forma, não acho que minha resposta agradaria meus interlocutores, pois exigiria algumas mudanças – ou adaptações – em alguns paradigmas atuais. De qualquer forma, aqui vai minha contribuição para essa discussão.
Como lidar com os diferentes repertórios dos alunos – Em uma classe de 90 alunos, reúnem-se diferentes repertórios ou diferentes níveis de aprendizagem. Todos sabem alguma coisa sobre algo, não exatamente sobre as mesmas coisas e nos mesmos níveis. Como ensinar cada aluno a partir do seu próprio repertório? Como apresentar uma aula em que o aluno possa participar ativamente do processo, e esse processo se torne reforçador, no sentido de aumentar a probabilidade de que o aluno queira participar de processos semelhantes no futuro? Como fazer isso com turmas de 90 alunos? Essa certamente não é uma questão fácil de responder. Se fosse, possivelmente não existiriam índices tão altos de evasão escolar. Aliás, um adendo: se eu fosse capitalista da área de educação, investiria urgentemente em pesquisas para tentar descobrir como reduzir o índice de evasão escolar. Se a resposta fosse encontrada, e se descobrisse uma forma de intervenção eficiente, ambos os lados sairiam ganhando: os capitalistas e os aprendizes. Uma coisa é certa: não será responsabilizando os alunos que se encontrará a resposta. Em vez disso, as instituições de ensino poderiam olhar para si, para os próprios processos e tentar descobrir como seus processos contribuem para que tantos alunos abandonem a universidade. Poderiam conhecer melhor seu público, e assim poderá ajudá-lo a se manter na universidade.
Não é assustador o fato de essas instituições conseguirem atrair estudantes para dentro de casa e não conseguir mantê-los? Que sabe não poderiam usar as próprias teorias que ensinam para manter seus alunos até o fim do curso?
Mas voltando à questão central: como ensinar e avaliar uma classe de 90 alunos.
Em primeiro lugar, vamos considerar a hipótese de o professor ter três classes de 90 alunos. Estamos falando de quase 300 alunos. Vamos considerar também que o professor tem outras atividades. Como ele poderá ensinar de fato e avaliar esse contingente de aprendizes?
Não sei a resposta, mas gostaria de discutir algumas possibilidades. Se alguém tiver idéia melhor ou puder complementar as minhas, agradeceria muito.
Apresentação do conteúdo – O conteúdo básico previsto para cada aula poderá ser apresentado em um ambiente virtual oferecido pela própria instituição de ensino. Cada aluno terá login, senha e outra forma de identificação que possa garantir a identidade dele – os desenvolvedores de sistema certamente sabem como fazê-lo. Os alunos deverão ser orientados a ler o texto previsto para cada aula fora da classe. Pode-se planejar recompensa, inicialmente, para quem vier à classe com leitura e atividade prontas. O professor deverá oferecer algumas dicas de leitura para facilitar a atividade.
Para fortalecer o repertório de leitura, cada texto ou conceito poderá ser apresentado em pequenos passos. O aluno deverá ler, por exemplo, o primeiro parágrafo ou a definição de um conceito. Depois da leitura terá de responder a perguntas sobre aquele parágrafo ou conceito específico. Cada resposta deve ser seguida de uma mensagem encorajadora. Por exemplo: Muito bem: sua resposta está correta, vamos ao próximo passo. Ou: releia a linha tal de seu texto e tente novamente.
Só depois de o aluno acertar 100% – talvez se possa discutir esse critério – ele passaria para o segundo parágrafo do texto ou desdobramento do conceito. Depois, o texto seria apresentado integralmente para uma leitura final. O conteúdo deverá ser programado de forma que o aluno acerte muito, uma vez que existem diversas pesquisas que associam fracasso com evasão. Deve-se atentar, porém, para os alunos que exigem mais desafios. Para esses, podem-se planejar atividades extras.
Avaliação por tarefa de leitura – O sistema deverá registrar o tempo em que o aluno inicia a leitura e terminar a atividade prevista. Um relatório mostrando o desempenho do aluno em cada tarefa, criado pelo próprio sistema, bem como o tempo que o aluno levou para concluir a tarefa, oferecerá indícios sobre o processo de aprendizagem daquele aluno. Com base nesse dado, o professor poderá estudar formas de intervenção individualizada.
Tarefa em classe – Em classe, os alunos poderiam ser separados em grupos para executar tarefas práticas, simulação dessas tarefas ou discussão de leitura realizada. Digamos, por exemplo, que parte dos alunos leu um texto sobre como editar um vídeo e publicá-lo em algum site. Um grupo de alunos vai realizar essa tarefa. O grupo deve ser organizado de forma que reúnam alunos com mais e menos repertório sobre determinada atividade. Os que estão mais avançados devem ser estimulados a ensinar os colegas – eventualmente podem ganhar pontos para isso.
Os grupos não necessariamente teriam de trabalhar na mesma tarefa ao mesmo tempo, mas conforme o avanço de cada aluno. O professor, em cada aula, apresentaria brevemente o objetivo da aula naquele dia, discutiria alguns aspectos do texto indicado para leitura anterior, e passaria a circular pela classe para esclarecer dúvida dos grupos na execução das referidas tarefas ou outras dúvidas. Os grupos poderiam ler diferentes textos, conforme cronograma preparado previamente pelo professor.
Avaliação final – o professor deverá descrever detalhadamente os critérios para avaliação em cada atividade da disciplina. Deverá se certificar de que cada aluno leu e compreendeu esses critérios.
A nota final seria baseada no desempenho do aluno nas múltiplas tarefas que ele se envolver ao longo do semestre.
Para os de fora que estão dentro – Para os alunos que, por alguma razão, não conseguirem entrar no esquema descrito acima, o professor poderá oferecer textos completos e fazer perguntas sobre os referidos textos para que o professor possa certificar-se de que o aluno leu o conteúdo. O professor deverá corrigir as respostas, que valem nota.
Em resumo, é o aluno principalmente que tem de agir, tem de participar, para que ocorra a aprendizagem. Ao professor cabe disposr as condições para facilitar a aprendizagem e não falar o tempo todo e torcer para encontrar uma classe muda.