Lógica, ciência e comportamento verbal

BFSkinner

Skinner dedicou um capítulo do livro Verbal Behavior (Skinner, 1957) à análise do comportamento verbal lógico e científico (leia aqui alguns comentários sobre a definição skinneriana de comportamento verbal). Inicialmente, diferenciou comportamento literário de outros comportamentos que dizem respeito a ações práticas do ouvinte, entre os quais o comportamento verbal científico. Nota Skinner que, ao contrário do comportamento literário, cujo efeito, grosso modo, é entreter o ouvinte, o comportamento científico (e seus produtos) constitui parte do ambiente que ampliará o âmbito de ação do ouvinte. Para isso, é necessário que seja preservado o controle de estímulo sob o qual dado fenômeno, estado, objeto é descrito.

Para Skinner, a comunidade verbal científica estabelece contingências para: (1) fortalecer o controle de estímulo verbal e não verbal que orientará a identificação e caracterização de dado objeto ou fenômeno; (2) estabelece regras para a construção de novas respostas verbais. A questão pode ser formulada assim: como um pesquisador, conhecendo a produção científica de dada área, pode vir a contribuir com corpo de conhecimento produzido? Ou, nos termos de Skinner, como se constrói um novo comportamento verbal sobre um objeto ou fenômeno?

Como estratégias adotadas pela comunidade para modelar o controle de estímulo verbal e não verbal sobre o lógico e o cientista, Skinner cita a criação de sistemas classificatórios, restrições ao uso de comportamentos intraverbais (comportamento verbal sobre comportamento verbal), adoção de autoclíticos apropriados com os quais o falante representa a natureza do controle do próprio comportamento, seja com relação a estímulos antecedentes seja com relação a cadeias intraverbais. “O comportamento mantido por essa comunidade difere dos instrumentos usados para mantê-lo, assim como um discurso eficiente difere das regras para um discurso eficiente”, diz Skinner (pp. 418-419).

Na segunda parte do capítulo, Skinner analisa procedimentos empregados para a construção de novas respostas verbais. A comunidade lógica e científica, diz ele, “acumulou lentamente um conjunto de técnicas para a construção de comportamento verbal eficaz. O falante move-se de um conjunto de respostas para outro conjunto, possivelmente mais útil” (p. 422). O procedimento envolve a manipulação e confirmação de respostas verbais; pesquisa e metodologia científica; avaliação da resposta verbal. O cientista manipula a própria resposta verbal, segundo Skinner, pela substituição de termos (para outros mais precisos, mais apropriados, por exemplo) e com autoclíticos específicos (leia aqui sobre processos autoclíticos).

Depois de construída – e confirmada – nova resposta verbal, o produto do comportamento verbal do cientista é avaliado pela comunidade. Aqui, novamente, Skinner enfatiza a orientação para questões práticas: “Uma parte importante da prática científica é avaliar a probabilidade de que uma resposta verbal seja ‘certa’ ou ‘verdadeira’ – que se possa agir sobre ela de forma bem-sucedida” (p.428).

Skinner volta a salientar a noção de que o comportamento verbal científico deve ser dirigido para ações práticas ao introduzir a discussão sobre metodologia científica (inicialmente para problemas científicos específicos, e, finalmente para aplicação do conhecimento científico). Segundo o autor:

“O comportamento verbal lógico e científico difere do comportamento verbal do leigo (e particularmente do comportamento literário) pela ênfase nas consequências práticas… O teste de predição científica é, frequentemente, como a palavra indica, uma confirmação verbal. Mas o comportamento do lógico e do cientista leva, em fim, a uma ação não verbal eficaz, e é aqui que precisamos encontrar as últimas contingências de reforço que mantêm a comunidade verbal lógica e científica” [grifo acrescentado] (p.429).

Em síntese, para Skinner, a comunidade verbal estabelece contingências (ou deveria fazê-lo) para orientar o comportamento do cientista de forma que o produto final desse comportamento possa servir à ciência e a sociedade – e não ao cientista ou grupos particulares.  Parece supor que os métodos adotados pela comunidade verbal científica, e a modelagem do cientista na relação com o próprio objeto de estudo, são poderosos (ou deveriam se tornar) o suficiente para reduzir ou eliminar um aspecto característico do comportamento verbal: a causação múltipla, tema com o qual Skinner inicia a segunda parte do livro sintetizando assim:

“Do nosso estudo sobre as relações funcionais do comportamento verbal emergem dois fatos: 1) a força de uma única resposta pode ser, e usualmente é, função de mais de uma variável e 2) uma única variável costuma afetar mais de uma resposta”, (p. 227).

Aparentemente, a ênfase skinneriana sobre as consequências práticas do comportamento científico para o ouvinte – e finalmente para ações não verbais – essas últimas consequências muito distantes do cientista no momento em que manipula o ambiente ao redor para produzir ‘novo comportamento verbal – parece desconsiderar uma das características definidoras do comportamento verbal: a mediação do reforço, ou as consequências mantenedoras do comportamento, que dependem de outro ouvinte. Mas ao se aproximar do fim da referida análise, Skinner destaca que a comunidade científica tem de levar em conta a natureza do comportamento verbal. Conclui defendendo que processos verbais lógicos e científicos “merecem e exigem uma análise mais precisa do que a que tem recebido até então” (p. 431). E esta, diz Skinner, pode ser uma das principais contribuições da ciência do comportamento verbal: o desenvolvimento de “uma lógica empírica, ou uma epistemologia científica descritiva e analítica, cujos termos e práticas serão adaptados ao comportamento humano como próprio objeto” (p. 431).

Assim, podemos tomar a análise de Skinner sobre o comportamento verbal lógico e científico apresentada em Verbal Behavior mais como prescrição do que como descrição de uma prática bem-sucedida. Leia aqui o livro Verbal Bahavior.

Referência: Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior.New York: Appleton-Century-Crofts.

 

Analistas do comportamento nos primórdios da FAPESP

Fundadores da Análise do comportamento do Brasil como Carolina Bori, Fred Keller e Isaías Pessotti são alguns dos pesquisadores referidos no livro Circa 1962: A Ciência Paulista nos Primórdios da FAPESP, da jornalista Mônica Teixeira. A jornalista conta histórias da ciência paulista no início da criação da FAPESP. Além desses pesquisadores, o livro traz entrevista com analistas do comportamento como a professora Deisy das Graças Souza (UFSCar), o professor João Claudio Todorov (UnB) e a professora Maria do Carmo Guedes (PUC-SP). A versão digital do livro pode ser baixada aqui.

Leia mais sobre o livro recém-lançado aqui. Clique aqui para ver a reprodução das imagens de Carolina, Keller e Pessotti publicadas no livro.

Aperfeiçoando repertórios de comunicação de ciência

Ann E. Stuart (University of North Carolina) descreve no artigo Engaging the Audience:Developing Presentation Skills in Science Students (Envolvendo a audiência: desenvolvendo habilidade de apresentação em estudante de ciência) estratégias adotadas por ela para aprimorar habilidades de estudantes de graduação em tarefas de comunicação de ciência. A professora toma por base apresentações em Power point, a crítica entre pares, para aprimorar repertórios necessários para envolver a audiência em atividades de comunicação de ciência. O artigo está publicado no Journal of Undergraduate Neuroscience Education (JUNE), Fall 2013, 12(1):A4-A10.
Transcrevo aqui o resumo, em inglês.
Engaging the Audience: Developing Presentation Skills in Science Students
Ann E. Stuart
Department of Cell Biology and Physiology, University of North Carolina, Chapel Hill, NC 27599-7545
This article describes a graduate class in presentation skills (“PClass”) as a model for how a class with similar objectives, expectations and culture might be mounted for undergraduates. The required class is given for students in neuroscience and physiology programs at the University of North Carolina at Chapel Hill; I describe the class in the years I led it, from 2003-2012. The class structure centered on peer rehearsal, critiquing of PowerPoint, and chalk talks by the students; video-recording of student talks for later review by the student with the instructor; and presentation of polished talks in a formal setting. A different faculty visitor to the class each week gave the students a variety of perspectives. The students also gained insight into their own evolving skills by discussing the strengths and weaknesses of seminars given by visitors to the campus. A unique feature of the class was collaboration with a professional actor from the University’s Department of Dramatic Arts, who helped the students develop techniques for keeping the attention of an audience, for speaking with confidence, and for controlling nervousness. The undergraduate campus would be expected to lend itself to this sort of interdisciplinary faculty cooperation. In addition, students worked on becoming adept at designing and presenting posters, introducing speakers graciously and taking charge of the speaker’s question session, and speaking to a lay audience.
Key words: presentation; PowerPoint; chalk talks; audience engagement; rehearsing; poster presentation.
Clique aqui para ler o texto completo.

Sobre a comunicação de resultado “nulo”

Revista Science destaca em sua última edição dificuldade de cientistas em divulgar pesquisas cujos dados contrariam as próprias hipóteses. Defende que sistematização de pesquisas ditas de resultados “nulos” poderia contribuir para o avanço da ciência.

Da Science 29 August 2014

Why null results rarely see the light of day

Jeffrey Mervis

A team at Stanford University reports online this week in Science that scientists are unlikely to even write up an experiment that produces so-called null results. A study of 221 survey-based experiments funded by the TESS (Time-sharing Experiments for the Social Sciences) program at the National Science Foundation has found that almost two-thirds of the experiments yielding null findings are stuck in a file drawer rather than being submitted to a journal, and only 21% are published. In contrast, 96% of the experiments that yield strong results are written up, and 62% of them are published. Such practices by researchers can skew the literature and lead to wasteful duplication, the authors argue. To combat the problem, the authors call for a social science registry that would contain all such data, as well as descriptions of the methodology used to analyze the results.

Science 29 August 2014:

Vol. 345 no. 6200 p. 992

DOI: 10.1126/science.345.6200.992

Fé, fato e comportamentalismo

A propósito das discussões envolvendo recentes declarações de Richard Dawkins, que  sugeriu aborto no caso de gravidez de uma criança com síndrome de Down, compartilho este artigo Faith, Fact and Behaviorism, de J.E. R. Staddon. O autor resgata um argumento antigo de David Hume, que sugere que o termo deveria/seria não pode ser derivado de é/estar. Achei difícil fazer a tradução dessa expressão para o português. Transcrevo, portanto, a seguir o resumo do artigo no original.

David Hume argued that ought cannot be derived from is. That is, no set of facts, no amount of scientific knowledge, is by itself sufficient to urge us to action. Yet generation of well-meaning scientist (more and more as secular influences grow in the West) seem to have forgotten Hume’s word of wisdom. All motivated action depends ultimately on belief that cannot be proved by the methods of science, that is, on faith. Aqui, link para o artigo. Faith_fact_and_behaviorism.

Nesse artigo, Staddon critica a forma como Dawkins se opõe a qualquer forma de religião (que se tornou uma questão de fé ao contrário) e o descreve  como “o mais conhecido imperador” da ciência e outros estudiosos cuja afirmações não escapariam de um escrutínio lógico.

Nessa mesma linha, quem estiver interessado em outra boa discussão sobre atitude e crença como comportamento verbal, sugiro a leitura deste artigo de Bernard Guerin, cujo resumo transcrevo aqui.

Attitudes and beliefs are analyzed as verbal behavior. It is argued that shaping by a verbal community is an essential part of the formation and maintenance of both attitudes and beliefs, and it is suggested that verbal communities mediate the important shift in control from events in the environment (attitudes and beliefs as tacts) to control by other words (attitudes and beliefs as intraverbals). It appears that both attitudes and beliefs are constantly being socially negotiated through autoclitic functions. That is, verbal communities reinforce (a) reporting general rather than specific attitudes and beliefs, (b) presentation of intraverbals as if they were tacts, and (c) presentation of beliefs as if they were attitudes. Consistency among and between attitudes, beliefs, and behavior is also contingent upon the reinforcing practices of verbal communities. Thus, attitudes and beliefs can be studied as social behavior rather than as private, cognitive processes.

Uma ciência para mudar práticas sociais indesejáveis

Biglan

 

No livro Changing Cultural Practices, Anthony Biglan propõe um esboço para o desenvolvimento de uma ciência aplicada a mudança de práticas culturais. No trecho que compartilho, a seguir, o autor afirma que se começa a entender a importância da ciência no enfrentamento de problemas comportamentais individuais. Nota, porém, que a contribuição da ciência para enfrentar problemas sociais em larga escala normalmente é subestimada até por cientistas comportamentais.

No original, em inglês:

The value of science in addressing cultural practices needs to be underscored. The ability of science to affect problems in physical world is now well understood by every school child. Its efficacy in dealing with her problematic behavior of individuals is beginning to understand. However, the possibility that science can contribute to change large social system is seldom considered, even by behavioral scientists. It is not uncommon for behavioral scientist to discuss the translation of what they know into public policy or its widespread dissemination as matters of “politics”, as though they are matters beyond the ken of science.

Aqui, uma resenha do referido livro, por Mark A. Mattaini, da Columbia University.

Vale muito a pena a leitura.

 

 

Sobre a tendência a superestimar a nós mesmos

Há uma série de experimentos na Psicologia social que indica que tendemos a superestimar nossas qualidades e até nosso potencial para lidar com certas situações, como, por exemplo, o tempo de recuperação de uma cirurgia. E mais: não basta saber que superestimamos a nós mesmos para lidar efetivamente com a questão. Não basta saber que o fazemos para adotar avaliação mais realistas sobre nosso, potencial, nossas habildiades e limites.

Adam Elga apresenta boa síntese neste artigo (On Overrating oneself… and kwowing it) sobre o referido fenômeno.

Boa leitura!

Questões de ciência e de aplicação do conhecimento científico

No início de 2009, já como aluna de doutorado, tive a honra de fazer a disciplina Ciência e comportamento humano: uma leitura crítica, com a professora Tereza Sério (Téia). Tratou-se de uma leitura crítica do livro Ciência e Comportamento humano (CCH), de B.F. Skinner. As discussões em sala de aula, como característico do PEXP e sobretudo nas aulas de Téia, eram antecedidas pela leitura de textos a ser discutidos. Nesse caso, eram capítulos de CCH. Antes ou no fim de cada aula o aluno respondia a questões de avaliação (chamadas no PEXP de verificação de leitura, ou simplesmente VL). Transcrevo, a seguir, a primeira VL do curso.

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM PSICOLOGIA EXPERIMENTAL: ANÁLISE DO COMPORTAMENTO

CIÊNCIA E COMPORTAMENTO HUMANO: UMA LEITURA CRÍTICA 2009 Avaliação 1

ALUNA: Maria de Lima Wang data: 23/03/2009

1. Considerando o que discutimos sobre a primeira parte de CCH (a possibilidade de uma ciência do comportamento humano), apresente dois aspectos que marcam a concepção de Skinner sobre a produção de conhecimento científico.

Em primeiro lugar, destacaria a concepção do autor de que a produção de conhecimento não pode ser dissociada da aplicação desse conhecimento. Embora algumas de suas afirmações iniciais possam sugerir que ele defenda posição contrária a essa, quando afirma, por exemplo: “Talvez não seja a ciência que está errada, mas sua aplicação” (p.5), à frente fica clara sua visão de que não se pode separar a produção de conhecimento da aplicação deste conhecimento. Esta passagem exemplifica a posição do autor: “… As teorias afetam a prática. Uma concepção cientifica do comportamento humano dita uma prática, a doutrina da liberdade pessoal, outra. Confusão na teoria significa confusão na prática.” (p. 10)

Skinner rejeita a suposição de que a ciência é neutra. A própria visão de mundo do autor, a forma como descreve o homem na natureza, a afirmação de que comportamento é determinado, afastam qualquer possibilidade de ele se confundido como defensor da neutralidade da ciência. Ser favorável ao discurso da neutralidade científica seria contrapor-se às próprias formulações sobre comportamento. Para Skinner, o conhecimento, como qualquer produto do comportamento, não é livre.

Outro aspecto marcante, a meu ver, na concepção de Skinner sobre a produção de conhecimento científico refere-se a sua postura sobre as funções da ciência. Para a Skinner, cabe a ciência do comportamento descrever seu objeto de estudo, prever e controlar. Segundo Skinner (1953/2005):

A ciência não só descreve, ela prevê. Trata não só do passado, mas do futuro. Nem é previsão sua última palavra: desde que as condições relevantes possam ser alteradas, ou de algum modo controladas, o futuro pode ser manipulado. (p.7)

Para Skinner, portanto, não se pode separar produção da aplicação do conhecimento científico; não existe neutralidade na ciência, e o papel da ciência vai além da mera contemplação, a ciência não é passiva. Conforme o autor: “Quando já tivermos descoberto as leis em um sistema, estaremos então preparados para lidar eficientemente com esta parte do mundo”. (p.15)

 

A propósito dessa discussão, sugiro a leitura do artigo Faith, Fact, and Behaviorism, de J. E. R. Staddon.Faith_fact_and_behaviorism

Referência: Skinner, B.F. (2003). Ciência e Comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes (Obra publicada originalmente em 1953 como Science and human behavior, tradução para português por João Claudio Todorov).

Fortaleza recebe maior evento brasileiro de Análise do Comportamento

Será realizado em Fortaleza entre 24 e 27 de setembro o 23º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC), maior foro brasileiro de Análise do comportamento. O evento, a ser realizado na Fábrica de Negócios, terá a participação de grandes especialistas em comportamento humano em diversas subáreas, tais como educação, esporte, desenvolvimento atípico, comportamento organizacional, cultura.

Visite a página do Encontro para conhecer alguns dos temas que serão discutidos ao longo dos quatro dias do evento.
Clique aqui para obter mais informações sobre a ABPMC.

Sobre a genialidade e humildade de Darwin

Os primeiros manuscritos de Charles Darwin e Alfred Wallace sobre a teoria de seleção natural das espécies foram lidos em público, dia 1º de julho de 1859, em reunião da Linnean Society de Londres, que era a principal instituição científica em história natural da Grã-Bretanha (ver Browne, 2006).

Em Obras Filosóficas (coleção Grandes Pensadores, Companhia Editora Nacional, 1969) Will Durant faz uma lista daqueles que a seu ver seriam os dez maiores pensadores da humanidade.  Eram os seguintes, segundo Durant:

  1. Confúcio
  2. Platão
  3. Aristóteles
  4. Tomás de Aquino
  5. Copérnico
  6. Bacon
  7. Newton
  8. Voltaire
  9. Kant
  10. 10 Darwin.

Sobre Darwin, Durant escreveu o seguinte:

Não podemos saber o que a obra de Darwin virá a significar na história do gênero humano. Talvez que no futuro seu nome brilhe como uma “virada” na marcha do desenvolvimento mental da civilização do Ocidente. Se ele estiver errado, o mundo o esquecerá, como já quase esqueceu Demócrito e Anaxágoras; se estiver certo, os homens datarão de 1859 o começo do pensamento moderno.

Porque, calmamente e com a maior humildade, Darwin ofereceu uma pintura do mundo totalmente diversa das que desde o começo vinham entretendo os olhos dos homens. Havíamos admitido que o mundo era de uma ordenação a mover-se sob o governo duma inteligência todo-poderosa, para um objetivo, uma perfeição, em que cada virtude encontraria afinal a sua recompensa. Mas, sem atacar nenhum credo, Darwin descreveu o que os seus olhos viram. E subitamente o mundo se tornou rubro, e a natureza, que parece tão bela sob as cores do outono, passou a mostrar-se feroz arena de luta, na qual o nascimento era um acidente e a morte a única certeza. “Natureza” era a “seleção natural”, isto é, a luta pela vida; e não só pela vida como pelo poder – uma impiedosa eliminação dos “inaptos”, das flores mais tenras, dos animais de maior delicadeza, dos homens de maior bondade. A superfície da terra enxameia de espécies e indivíduos belicosos, e cada organismo se torna a presa natural de algum mais forte; cada vida é vivida à custa de outra; grandes catástrofes “naturais” sobrevém, eras do gelo, terremotos, seca, tufões, pestes, fomes, guerras: milhões e milhões de vida são violenta ou lentamente eliminadas.  Algumas espécies sobrevivem por algum tempo. Isto é a evolução. Isto é a natureza. Isto é a realidade.

Copérnico reduziria a terra a grão de poeira entre as nuvens; Darwin reduziu o homem a um animal em luta para uma dominação do globo. Deixou o homem de ser filho de Deus; passou a filho da luta, com suas guerras crudelíssimas a espantarem os mais ferozes animais. A espécie humana não era mais a criação favorita duma deidade benevolente, e sim, uma espécie simiesca, que os azares da mutação e da seleção ergueram a precária dignidade, e que a seu turno está designada a ser superada e desaparecer. O homem não é imortal e está condenado a morrer desde a hora em que nasce.

Imagine-se a impressão destas ideias sobre a suave filosofia dos vossos anos verdes, e o esforço para adaptar-nos a sangrenta pintura do mundo darwiniano. Não admira que a velha fé as combatesse ferozmente e que durante uma geração o conflito entre religião e a ciência fosse mais amargo do que no tempo em que Galileu era forçado a retratar-se e Bruno morria na fogueira. E os vencedores, exaustos da peleja, sentam-se tristes em meio das ruínas, secretamente lamentando o próprio triunfo, secretamente chorando o velho mundo que a vitória destruiu.

 

A origem das espécies, segundo Janet Browne (Brawne, 2006):

 

“A origem das espécies, de Charles Darwin, é certamente um dos mais importantes livros científicos já escritos. No entanto, não se ajusta ao estereótipo comum do que entendemos hoje por ciência. Tem um estilo maravilhosamente pessoal, não possui gráficos ou fórmulas matemáticas, nenhuma referencia a figuras de jaleco branco num laboratório, sua linguagem não é especializada …A origem das espécies foi com certeza uma publicação capital, que alterou de maneira espetacular a natural da discussão sobre nossas origens. A influência recíproca entre um homem, um livro e as diversas cirscunstências sociais, religiosas, intelectuais e nacionais de suas audiências e as correntes mais amplas de mudança histórica fez da Origem das espécies de Darwin um fenômeno extraordinário em seu tempo – e permite que a obra continue a interessar e a instruir seus leitores ainda hoje”.

Da importância da diversidade na seleção natural, diz Darwin, citado por Browne:

“A seleção natural provavelmente favorecia aqueles animais e plantas que se diversificavam, exatamente como se a natureza fosse uma bancada de fábrica em que a produção tornava-se mais eficiente se os trabalhadores executassem tarefas díspares”.

Referências

 

Browne, J. (2006). A origem das espécies de Darwin. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Durant, W. (1969). Os grandes pensadores. São Paulo: Companhia Editora Nacional (trad. edição impressa no Brasil em 1969)

Sobre a inacessibilidade ao saber científico

No prefácio da segunda edição americana de História da Filosofia, publicado, em português, em 1959 pela Companhia Editora Nacional (com tradução de Godofredo Rangel e Monteiro Lobato), Will Durant discute um tema bastante atual. Trata-se da excessiva especialização da ciência de modo que cada vez mais “sabe cada vez mais de cada vez menos”. Discute-se também a impossibilidade de comunicação, pela linguagem cada vez mais técnica, entre os próprios cientistas. Quanto mais com a comunidade leiga. Não concordo com todas as afirmações do autor. Mas para ser justo, temos de considerar que o livro foi publicado originalmente em 1924 como The Story of Philosophy: the Lives and Opinions of the Greater Philosophers. Uma edição revisada foi publicada em 1933.

Mas é certo que a ciência, para cumprir sua função social, não pode ficar restrita à comunicação entre pares. Não é possível que um cientista não possa conversar com outro ou com um cidadão leigo. E se for esse o caminho a ser seguido, cada vez mais a ciência precisará de intermediários, de comunicadores de ciência que deverão ajudar o cientista a falar com a sociedade de não-cientistas. Clique aqui para ler um artigo sobre a crescente inacessibilidade á ciência (The Growing Inaccessibility of Science).

Discordo especialmente da afirmação de Durant sobre história (penso que Hobsbawm também discordaria). Ainda assim o texto é primoroso para refletir sobre a interação ciência-sociedade.

Boa leitura!

Prefácio da segunda edição americana

I

Os conhecimentos humanos tornaram-se vastíssimos; cada ciência gerou uma dúzia de ciências novas; o telescópio revelou estrelas e sistemas que o homem não pode enumerar, nem denominar; a geologia passou de milhares de anos a milhões; a física encontrou no átomo todo um universo, e a biologia descobriu na célula um microcosmos; a fisiologia revelou mistério infinitos em cada órgão, e a psicologia, em cada sonho; a antropologia reconstituiu a insuspeitada antiguidade do homem; a arqueologia desenterrou ruínas de cidades; a história provou que todas história é falsa e esboçou uma tela onde unicamente um Spengler ou um Eduard Meyer podem ter visão de conjunto; a teologia desmoronou; os credos políticos esboroaram-se;  a invenção complicou a vida e a guerra; e as teorias econômicas derrubaram governos e inflamaram o mundo; a própria filosofia, que sempre recorreu a todas as ciências para dar uma imagem aceitável do mundo e uma atrativa concepção do Bem, verificou que sua tarefa coordenadora era maior que a sua coragem, fugiu de todos os “fronts” da verdade e ocultou-se em desvão abrigados, timidamente a seguro das responsabilidades da vida. O conhecimento humano tornou-se muito grande para a mente humana.

O que ficou foi o especialista científico que “conhece mais e mais a respeito de menos e menos”; e também o especulador filosófico que sabe menos e menos a respeito de mais e mais. O especialista armou-se de viseiras para restringir o campo de visão; some-se o mundo para que fique um pontinho só a esmiuçar. Perdeu-se a perspectiva. “Fatos” substituíram a compreensão; e o conhecimento, cindido em mil partes isoladas, não mais deu como resultado sabedoria. Cada ciência e cada ramo da filosofia geraram uma terminologia técnica apenas inteligível para os iniciados; quanto mais o homem aprendia sobre o mundo menos se achava apto a exprimir aos outros as coisas que tinha aprendido. O hiato entre a vida e o conhecimento foi-se alargando cada vez mais; os que governavam não podiam entender os que pensavam e os que queriam saber não podiam entender os que sabiam.  No meio duma erudição sem precedentes a ignorância popular florescia; ao lado das ciências entronizadas e financiadas como nunca foram, novas religiões vinham a furo e velhas superstições reconquistavam o terreno perdido.  O homem comum via-se forçado a escolher entre um sacerdócio científico que resmoneava ininteligível pessimismo e um sacerdócio teológico que acenava com esperanças incríveis.

Numa situação destas a função do mestre profissional fez-se clara. Tinha de ser o intermediário entre o especialista e o povo, tinha de aprender a linguagem do especialista, como este aprendia a linguagem da natureza, e desse modo romper as barreiras erguidas entre o conhecimento e a necessidade de aprender, descobrindo meios de expressar as novas verdades em termos velhos que toda gente entendesse. Isso porque se o conhecimento se desenvolve demais a ponto de perder o contato com o homem comum degenera em escolástica e na imposição do magister; o gênero humano encaminhar-se-ia para uma nova era de fé, adoração e distanciamento respeitoso dos novos sacerdotes; a civilização, que desejava erguer-se sobre uma larga disseminação da cultura, ficaria, precariamente baseada sobre uma erudição técnica, monopólio duma classe fechada e monasticamente separada do mundo pelo orgulho aristocrático da terminologia. Não admira, pois que todo o mundo aplaudisse quando James Harvey Robinson deu o brado para a remoção de todas estas barreiras e consequentemente humanização do conhecimento. (Durant, 1959, p.5)

Referência:

Durant, W. (1959). História da Filosofia – vida e ideias dos grandes filósofos.  São Paulo: Companhia Editora Nacional (10ª edição, trad. Godofredo Rangel e Monteiro Lobato).

Das especificidades do comportamento humano

Encontrar um livro publicado originalmente em 1938, cujo autor (Lancelot Hogben), estava interessado em popularização de ciência, já é um feito e tanto. E seus feitos não param por aqui. Em um subtítulo sobre aprendizagem, Hogben descreveu os experimentos de Pavlov. E terminou o subtítulo (p. 1078) assim:

“É possível que possamos descobrir como bebês aprendem a falar se primeiro descobrirmos como papagaios podem ser ensinados a falar. Mas não é seguro que descubramos. O que é certo é que não descobriremos como papagaios aprendem a falar perguntando a eles a respeito. E é menos provável que possamos aprender muito sobre como crianças aprendem a falar usando o mesmo método.”

Aqui, o trecho completo, no original (p.1078).

“How human behaviour depends on characteristics of human brain and sense organs such as those which have been outline in this chapter is the least important contribution of biology to a scientific study of human nature … human behaviour has many peculiarities which we cannot connect with any characteristics of behaviour in other animals or with anything we as yet know about the properties of the nervous systems. It may be more profitable to study how different characteristics of human behaviour are connected with one another than to study how they are connected with the process of nervous co-ordination. In that sense psychology is a study in its own right, and most psychologists are behaviourists psychologists nowadays. It is rather a pity that the word behaviourism has become identified with a school of psychologists who pay more attention to the common characteristics of animal and human behaviour than to the special characteristics which distinguish human behaviour from that of other creatures. It is possible that we might find out more about how babies learn to talk if we first discovered how parrots can be taught to talk; but it is not certain. What is certain is that we could not find out how parrots learn to talk by asking them; and it is at least likely that we shall not learn much about how children learn to talk by the same method.”

 

Referência:

Hogben. L. (1951). Science for the Citizen. London: George Allen & Unwin.

Bill Bryson ensina como escrever sobre ciência para leigos

Em A Short History of Nearly Everything Bill Bryson oferece bons exemplos de como tratar de temas científicos complexos de forma que um leigo entenda.

O autor abre o livro com a seguinte citação:

The physicist Leo Szilard once announced to his friend Hans Bethe
that he was thinking of keeping a diary: “I don’t intend to publish. I
am merely going to record the facts for the information of God.”
“Don’t you think God knows the facts?” Bethe asked.
“Yes,” said Szilard.
“He knows the facts, but He does not know this version of the facts.”

-Hans Christian von Baeyer,
Taming the Atom

E aqui, transcrevo trechos da introdução.

“Welcome. And congratulations. I am delighted that you could make it. Getting here wasn’t
easy, I know. In fact, I suspect it was a little tougher than you realize. To begin with, for you to be here now trillions of drifting atoms had somehow to assemble in an intricate and intriguingly obliging manner to create you. It’s an arrangement so
specialized and particular that it has never been tried before and will only exist this once. For the next many years (we hope) these tiny particles will uncomplainingly engage in all the billions of deft, cooperative efforts necessary to keep you intact and let you experience the supremely agreeable but generally underappreciated state known as existence.”

****

“Not only have you been lucky enough to be attached since time immemorial to a favored evolutionary line, but you have also been extremely-make that miraculously-fortunate in your personal ancestry. Consider the fact that for 3.8 billion years, a period of time older than the Earth’s mountains and rivers and oceans, every one of your forebears on both sides has been
attractive enough to find a mate, healthy enough to reproduce, and sufficiently blessed by fate and circumstances to live long enough to do so. Not one of your pertinent ancestors was squashed, devoured, drowned, starved, stranded, stuck fast, untimely wounded, or otherwise deflected from its life’s quest of delivering a tiny charge of genetic material to the right partner at the right moment in order to perpetuate the only possible sequence of hereditary combinations that could result-eventually, astoundingly, and all too briefly-in you.

This is a book about how it happened-in particular how we went from there being nothing at all to there being something, and then how a little of that something turned into us, and also some of what happened in between and since. That’s a great deal to cover, of course, which is why the book is called A Short History of Nearly Everything, even though it isn’t really. It couldn’t be. But with luck by the time we finish it will feel as if it is.”

Dissertação e tese são produções coletivas

Transcrevo, a seguir, os ‘agradecimentos’ da Téia Sério, publicados em sua tese de doutorado (1990).

O primeiro ponto que me chamou atenção foi a forma cuidadosa que Téia escreveu uma seção que, usualmente, é tratada de forma bastante descuidada. Pelo menos é o que acho (eu deveria ter lido seus agradecimentos antes de escrever os meus). Mas Téia não era de fazer nada pela metade.

O segundo aspecto que gostaria de destacar refere-se à forma de a autora descrever o caráter do empreendimento: produzir dissertação ou tese, diz Teia do começo ao fim, é trabalho coletivo. E ela soube descrever, de forma sucinta, clara, elegante, quais foram as principais contribuições – ou os suportes com os quais contou – para produzir a própria tese.

Destaco, ainda, do texto de Téia, um terceiro aspecto – pensando agora nas pessoas que estão, no momento, escrevendo sua dissertação ou tese: são tantas pessoas envolvidas direta ou indiretamente (pessoas muito boas, diz Téia), que simplesmente só existe uma possibilidade: terminar o trabalho!

Enfim, até nos agradecimentos da própria tese, Téia deu uma aula sobre cuidados necessários com quaisquer tipos de manuscrito. Uma aula sobre o caráter coletivo da produção científica e mais importante: uma aula sobre como reconhecer o trabalho de outros – intelectual ou afetivo – em ‘nosso’ trabalho. Para ler o texto completo, clique aqui.

 

Alguns comentários sobre os agradecimentos

Tereza Maria de Azevedo Pires Sério

Em geral, leio com alguma curiosidade os agradecimentos que são feitos no início de trabalhos de mestrado e doutorado e, já há algum tempo, venho achando que aí se apresenta uma face desses trabalhos que, aparentemente, eles parecem dever ocultar: por mais que o trabalho leve uma assinatura, ele não é um trabalho realizado individualmente; a sua realização, por mais que pareça ou por mais que seja individual, exige suportes. Suportes que são trabalhos de outras pessoas e de vários ‘tipos’: são necessários suportes intelectuais, suportes materiais e suportes afetivos. A ‘quantidade’ de suportes e o peso de cada um ‘tipos’ envolvidos em cada trabalho pode até variar; mas os três estarão sempre presentes. Pelo menos, é o que acho.

E, se eu ainda não achasse isso, com certeza passaria a fazê-lo agora. Se nunca antes tivesse reconhecido o caráter coletivo, mesmo do trabalho considerado intelectual e mesmo daquele que aparenta ser o mais individualista, esta teria sido uma boa oportunidade para passar a reconhecê-lo. Por isto, não estou propriamente agradecendo, mas tentando publicar o coletivo bem concreto que possibilitou o meu trabalho; que é meu, leva minha assinatura, porque nesta divisão (a que se refere especificamente ao produto que materializa o ‘trabalho feito’) a mim coube (ou, eu pude e quis) fazer mais.

Eu acredito que a realização deste trabalho dependeu de duas decisões: tomar o behaviorismo como objeto mais geral de análise e analisá-lo de uma determinada maneira.

Mais que a vontade, a própria possibilidade de tomar o behaviorismo como objeto de análise dependeu da produção intelectual que assume o desafio de compreender o behaviorismo e as consequências que tal compreensão acarreta: as dúvidas, as divergências, a necessidade de estudar mais e, até, a possibilidade de ter de começar tudo de novo. Por isso, a primeira decisão só foi possível graças ao trabalho da Loira, Sergio e Ziza: mais tarde, mas já há bastante tempo, também ao trabalho de Amália. Roberto e Regina, meus novos (agora já não tanto) ‘colegas’, em nenhum momento me afastaram dela.

A segunda decisão dependeu, em grande parte, de uma determinada maneira de entender a produção de conhecimento científico: aprender ‘esta maneira’ exigiu muito estudo, muito esforço e, até, muita briga. Tudo isto foi feito junto com Amália, Bari, Denize, Dinha, Marcia, Mare, Melania, Monica e Nilza.

Tomadas as decisões, eu tinha de fazer o trabalho. Durante sua realização contei com duas interlocutoras especiais: com elas eu podia ‘testar’ minhas idéias, ouvir outras, trocar dúvidas. O produto final reflete, eu acho, algumas de suas contribuições. Só alguns exemplos: Loira é responsável por qualquer preocupação com o leitor, que eventualmente aparecer neste trabalho; além disso, foi ela quem nunca me deixou esquecer que um trabalho só vale se for publicado, se puder se discutido. Ziza, pela preocupação com a ênfase que ‘o’ behaviorismo atribui aos procedimentos e suas possíveis consequências e pela preocupação com o conceito de reforçador condicionado.

E contei, ainda, com uma interlocutora especialíssima. Era para ser um projeto conjunto, quando toda exigência formal estava no individual. Foi um trabalho conjunto e não diluiu o individual: ao contrário, eu diria que possibilitou expressão individual. A pesquisa aqui relatada, desde o levantamento bibliográfico inicial até a revisão e impressão finais, tem muito trabalho junto com Amália e tem muito trabalho de Amália para o ‘meu’ trabalho. Amália é responsável, também, por algumas das ‘minhas descobertas’: do papel do estímulo reforçador na definição de condicionamento, dos artigos sobre os cinquenta anos de B.of.B. e, é claro, do Shaping. Mas é também pela mais importante: que só se ‘descobre’ realmente um autor se não se sucumbir ao fascínio de suas ideias e nem ao fascínio das ideias da gente. E isto pode (talvez deva) ser feito com muita emoção. Talvez eu nunca tivesse iniciado este projeto sem ajuda da Amália; com certeza, eu não teria concluído o trabalho sem ela.

Com tudo isso, ainda teria sido muito mais difícil fazer este trabalho sem o carinho e a compreensão de Palma e José, meus pais. Sem o afeto e a torcida do Guto, Su, Mariana,  Melissa e Flávio. Sem a presença amiga do Dárcio.

E, finalmente, teria sido impossível fazê-lo se as minhas duas Anas, a Luiza e a Cristina, não tivessem suportado com bravura esses ‘tempos de tese’. E elas suportaram na medida das minhas necessidades. Cris, agora eu também já posso querer ser moça ‘quando’ ficar velha. Lu, agora você já sabe o porquê alguém faz uma tese? Vai ver que é porque tem tanta gente (e boa) envolvida que a gente não tem vontade nem coragem de desistir.

A minha parte do trabalho é para estas pessoas.

Alguns desafios para o estudo do comportamento verbal

Azrin, Holz, Ulrich e Goldiamond (1961/1973) replicaram um estudo realizado por Verplanck (1955), em que avaliaram a possibilidade de estudantes controlarem conversas casuais de outras pessoas por meio do reforçamento diferencial de certo tipo de opinião/afirmação e da extinção de todos os outros tipos de afirmação.

O estudo envolveu três experimentos, que foram aplicados em sala de aula. No primeiro experimento, 16 estudantes de pós-graduação foram especialmente preparados para aplicar o procedimento. A preparação incluiu o que os autores chamaram de instrução intensiva sobre condicionamento operante, seguida de uma verificação sobre os conhecimentos adquiridos pelos estudantes aceda do assunto ensinado. Os estudantes foram instruídos a ler o estudo de Verplanck (1955) e os conhecimentos deles sobre o referido estudo foram testados.

Metade dos estudantes conduziu um procedimento que consistia de 10 minutos de extinção, seguidos de 10 minutos de reforçamento, mais dez minutos de extinção. A outra metade aplicou procedimento reverso: reforçamento, extinção, reforçamento. Extinção foi caracterizada como o ouvinte (no caso, o estudante que estava no papel de experimentador) ficar em silêncio, ao passo que reforço foi definido como a concordância do ouvinte com as opiniões do participante.

De acordo com Azrin e cols., entre os estudantes que aplicaram o procedimento, 14 relataram maior frequência de opiniões durante o procedimento definido como reforçamento do que durante o procedimento de extinção (um “estudante-experimentador” não concluiu o experimento).  A frequência de outras afirmações, que não opiniões, não mudou muito (pp.187-188).

Os autores observam que nenhum dos estudantes que concluiu o experimento relatou dificuldades para aplicar o procedimento. No entanto, o estudante que desistiu da aplicação contou que achou difícil manter a conversação sem participar ativamente dela e também relatou ter achado difícil reconhecer opinião versus afirmação.

Apesar de os demais estudantes, em um primeiro momento, não relatarem semelhante dificuldade, em discussões posteriores um estudante contou que tinha gravado a aplicação do procedimento. Um segundo estudante analisou a gravação e admitiu ser difícil distinguir o período de reforçamento do de extinção. Os autores ficaram em dúvida se os estudantes tinham de fato se comportado perante seus ouvintes (os participantes) conforme determinava o procedimento: ou seja, ficar em silêncio na extinção e reforçar apenas as respostas-alvo.

No segundo experimento, o mesmo procedimento foi aplicado por estudantes universitários de outra sala de aula, sem que tivessem lido o estudo original ou fossem informados sobre a existência dele. Como no experimento anterior, os estudantes receberam instrução e tiveram seus conhecimentos sobre princípios de reforçamento operante testados. Os pesquisadores adotaram o mesmo procedimento do primeiro experimento, exceto pela extinção, que foi caracterizada como discordância, em vez de silêncio. De 12 estudantes que concluíram o estudo, 11 relataram que discordância produzia mais baixa frequência de opinião do que concordância. Novamente os estudantes não relataram dificuldade na aplicação do procedimento. Os autores estranharam o fato, porque apesar da aparente dificuldade em identificar afirmações e opiniões (relatada pelos estudantes do primeiro experimento) e de outras dificuldades referentes à aplicação do procedimento, todos os estudantes relataram que concordância com a opinião do falante produziu maior frequência do comportamento verbal dos participantes. Uma análise dos resultados desse estudo revelou aparente relação entre a compreensão dos princípios de reforçamento pelos estudantes e os resultados relatados por eles. (Estudantes com menor conhecimento sobre tais princípios geralmente relatavam menor efeito do reforçamento sobre as opiniões). Os autores supuseram que os estudantes ou não seguiram o procedimento apropriado ou não tinham expectativas seguras quanto aos resultados.

O terceiro experimento foi conduzido para testar a última hipótese. O procedimento foi aplicado por uma classe de estudantes universitários sem que eles tivessem lido o experimento original. Metade dos estudantes aplicou um procedimento que consistiu de dez minutos de reforçamento, seguidos de dez minutos de extinção e dez minutos de reforçamento.  A outra metade aplicou um procedimento de extinção-reforçamento-extinção. Reforçamento novamente foi definido como concordar com a opinião do outro e extinção, como manter-se em silêncio.

O experimento foi realizado durante e depois de os estudantes receberem instrução sobre princípios de reforçamento. O resultado foi semelhante ao dos experimentos anteriores: 44 de 47 estudantes relataram maior frequência de opinião durante as sessões de reforçamento (concordância com o falante) do que durante sessões de extinção.

Baseando-se nas discussões de Azrin e cols. pode-se inferir que os resultados desses três experimentos possivelmente tenham mais relação com o comportamento dos estudantes que aplicaram os procedimentos do que com o dos participantes – ou pelo menos tanto quanto. Tanto que os autores interpretaram seus resultados como indicativos da necessidade de se desenvolver mecanismos mais objetivos para o estudo do comportamento verbal. “Sem tal objetividade”, afirmam, “os resultados de estudos sobre condicionamento verbal podem refletir mais as expectativas e teorias do experimentador do que o comportamento dos participantes”.

Outro desafio importante para o estudo do comportamento verbal é o fato de ele poder se mantido sem que sejam produzidas consequências práticas. Por isso, como afirma Skinner (1957/1978): “pode libertar-se mais facilmente do controle de estímulos, porque por sua própria natureza não requer apoio ambiental: isto é, nenhum estímulo precisa estar presente para dirigi-lo ou formar importantes elos na cadeia de respostas” (pp. 68/47).

Some-se a isso, o fato de o comportamento verbal ser multideterminado. A noção da causalidade múltipla no comportamento permeia todo sistema explicativo da análise skinneriana. No que diz respeito ao comportamento verbal, embora Skinner trate dessa característica do comportamento desde o capítulo inicial de Verbal Behavior, dedicou um capítulo à parte para essa discussão, a qual Skinner resume assim:

Do nosso estudo sobre as relações funcionais do comportamento verbal emergem dois fatos: 1) a força [probabilidade] de uma única resposta pode ser, e usualmente é, função de mais de uma variável; e 2) uma única variável costumar afetar mais de uma resposta. (Skinner, 1957/1978, p.273)

Referências

Azrin, N. H., Holz, W., Ulrich, R., e Goldiamond, I. (1973). The control of the content of conversation through reinforcement. Journal of Applied Behavior Analysis, 6, 186-192.

Skinner, B.F. (1978). O comportamento Verbal. São Paulo: Cultrix.

Skinner, B. F. (1957/1992). Verbal Behavior. Cambridge, Massachusetts: B. F. Skinner Foundation

Verplanck, W. S. (1955). The control of the content of conversation: reinforcement of statements of opinion. Journal of abnormal and Social Psychology, 55, 668-676.

Sugestões de leitura: “O Quê Você Deveria Saber Sobre o seu Mestrado e Doutorado”

Boas dicas para mestrandos e doutorandos

Ciência Prática

Uma das vantagens de manter este blog é que estamos sempre aprendendo. “Folheando” (digitalmente) o livro do Leo Monasterio para escrever um artigo, a Profa. Emico seguiu um link para o SlideShare.net e acabou encontrando esta apresentação, do Prof. Manoel Mendonça (Departamento de Ciência da Computação, Universidade Federal da Bahia):

“O Quê Você Deveria Saber Sobre o seu Mestrado e Doutorado”

A apresentação é interessante, pois resume vários pontos importantes sobre a realização do mestrado e do doutorado. Apesar do Prof. Mendonça dizer de início que o foco dele é na área de Ciência da Computação, muitas dicas se aplicam perfeitamente à Física. Provavelmente serão úteis aos leitores deste blog.

Ver o post original

Atitude e crença como construção social

No artigo Attitudes and beliefs as verbal behavior (Guerin, 1994), Guerin descreve a atitude e crença como comportamento verbal que pode ter a forma de tato, de intraverbal ou de mando. Para Guerin, o que, fundamentalmente, distingue atitude de crença são propriedades da conversação ou seus diferentes efeitos sobre o ouvinte. (Guerin, 2004, p. 213). Assim, verbalizações referidas como crenças podem servir como suporte ou justificativa para uma atitude declarada, mas apenas, diz Guerin, se a comunidade verbal estiver de acordo com a crença declarada.

Este exemplo pode esclarecer a suposta diferença entre atitude e crença. Uma pessoa afirma ser contra o uso de energia nuclear. Uma declaração como essa pode ser tomada como atitude dessa pessoa perante o tema “energia nuclear”. No entanto, apenas declarar ser contra o uso de energia nuclear pode não ser suficiente para a comunidade verbal reforçar o comportamento do falante. Assim, quem se diz contra o uso de energia nuclear poderá justificar sua atitude e afirmar que se baseia na crença de que energia nuclear tem subprodutos perigosos para a humanidade.

Ao analisar processos pelos quais a declaração de atitude é fortalecida pela comunidade verbal como se fosse tato, Guerin (1994) considera que comportamentos verbais descritos como atitude podem ter origem na generalização de tatos sobre o ambiente externo para tatos sobre o próprio comportamento, passando para tatos de atitude (atitudinal tacts). Cita como exemplo desse processo uma criança que relata a presença de um gato em uma árvore e é reforçada com consequências sociais generalizadas (a existência do gato nem sempre é pré-requisito para liberação de reforçadores sociais). Da mesma forma, a criança pode afirmar que resgatou um gato de uma árvore ou que gosta de gatos. Ainda que essa criança goste realmente de gatos, gostará de alguns gatos específicos e não de gatos de forma generalizada. Mesmo assim, a criança poderá ter seu comportamento verbal reforçado como se fosse tato ao afirmar “gosto de gatos” (p.156).

Para Guerin (1994), atitudes podem ser tratadas como comportamento intraverbal se o relato de atitude estiver sob controle de estímulos verbais em vez de sob controle do ambiente físico imediato. Esse efeito é um dos efeitos comuns, segundo Guerin, de conversações casuais, quando a manutenção da conversa é mais importante do que descrições de preferências ou descrições do ambiente imediato (p.158).  Trata-se daquilo que popularmente é chamado de jogar conversa fora”.

Guerin cita dois aspectos que fortalecem a suposição de que atitude pode ser descrita como comportamento intravebral: a) relatar preferências tende a ser reforçado quando essas preferências forem gerais – por exemplo, “gosto de gatos”; em vez de gosto do meu gato; b) muitas verbalizações de atitudes referem-se a eventos aos quais o falante nunca teve acesso diretamente – por exemplo, afirmações sobre mudanças climáticas ou sobre segurança ou insegurança da energia nuclear. No entanto, verbalizações desse tipo são frequentemente reforçadas pela comunidade como se fossem tatos (Guerin, 1994 p158).

Atitude pode ter, ainda, segundo Guerin (1994), a função de mando. Guerin cita, como exemplo, um chefe que afirma não gostar de pessoas que tomam café no trabalho. Essa declaração pode assumir a função do mando “não tome café enquanto estiver trabalhando” (p. 159), mas é apresentada como se fosse atitude.  Conforme sintetiza Guerin (1994):

As pessoas frequentemente afirmam que suas atitudes são baseadas em suas crenças e declaram atitude positiva ou negativa porque acreditam que há subprodutos positivos ou negativos envolvidos: “porque o risco de acidente nuclear é grande, não gosto do uso de energia nuclear”. . . .  apresentar, porém, uma crença para fortalecer uma declaração de atitude é, em si mesmo, um ato social de persuasão, que exige mais análises . . .; relatos de atitude podem ser reforçados se forem baseados em crenças, mas apenas se a comunidade verbal concordar com as crenças que dão suporte à atitude. (Guerin, 1994, p.160)

Guerin (1994a analisa também a relação entre atitude e comportamento verbal ou não verbal correspondente à atitude declarada. A esse respeito, argumenta que as mesmas contingências sociais que modelam correspondência entre dizer/fazer aplicam-se à afirmação de atitude seguida do comportamento correspondente à atitude declarada. Guerin nota que existe uma série de consequências aversivas para alguém que muda frequentemente: faz algo em um dia e, no dia seguinte, algo oposto ao feito no dia anterior. Agir conforme o declarado comumente é reforçado pela comunidade verbal. O mesmo pode ocorrer com a verbalização de atitude e o comportamento correspondente à verbalização.

Guerin ressalta, porém, que, dado o amplo repertório verbal de um indivíduo, os múltiplos controles envolvidos no comportamento e as múltiplas comunidades verbais existentes na sociedade moderna nas quais um indivíduo toma parte, inconsistências comportamentais – ou falta de correspondência entre dizer/fazer – podem tornar-se frequentes, especialmente quando se trata de comportamento verbal, que está sob controle direto do comportamento de outras pessoas. (Guerin, 1994, p. 162)

Conforme Guerin (2004), conversações podem ter três funções: levar o ouvinte a fazer algo; fazer o ouvinte acreditar em algo ou repetir algo; manter interações sociais (cuja função é manter o ouvinte predisposto a liberar reforçadores e manter o status do falante como integrante de um grupo). Para esse autor, entre as principais funções da conversação destacam-se as estratégias para modificar ou evitar consequências daquilo que foi dito (p.185). E fazem parte dessas estratégias, diz Guerin, apresentar um tópico com termos como atitude e crença.

Referências:

Guerin, B. (1994). Attitudes and beliefs as verbal behavior. The Behavior Analyst, 1, 17 (pp. 155-163).

Guerin, B. (2004). Handbook for analyzing the social strategies of everyday life. Reno, Nevada: Contexxt Press.

Comportamento humano e prática cultural

Skinner (1981) defendeu que comportamento humano é resultado da interação entre variáveis pertencentes a três níveis de seleção por consequências: filogenético, que diz respeito a historia da espécie; ontogenético, que se refere à história de interação de um indivíduo com seu ambiente físico e social; e, por fim, nível cultural, relacionado com práticas dos grupos, transmitidas a seus integrantes de geração a geração. A análise de Skinner (1981) acerca do terceiro nível de seleção por consequências parece ter contribuído para estimular analistas do comportamento a iniciar uma linha de pesquisa sobre cultura.

Glenn (2004) busca demonstrar como interações entre variáveis pertencentes aos três níveis de seleção por consequências, referidos por Skinner (1981) – nível biológico, ontológico e cultural – resultam em culturas cada vez mais complexas, baseadas em comportamentos aprendidos e na transmissão de comportamentos aprendidos. Nos termos de Glenn (2004):

“Culturas com níveis de complexidades crescentes têm emergido pelo intercâmbio entre capacidade humana para aprendizagem, contingências de reforço que explicam os comportamentos aprendidos por indivíduos, e a transmissão cultural de comportamentos aprendidos” (p.133).

Para Glenn (2004), ao discutir influencias filogenéticas na emergência das culturas, cita duas características que julga sobressair-se em humanos em comparação com organismos de outras espécies: sociabilidade – “predisposição do ser humano a passar a maior parte de seu tempo próximo de outros humanos” – e potencial para aprendizagem, também considerado superior em humanos em relação a espécies. Essas características, nota Glenn (p.138), são fontes extras de complexidade pré-requisitos para a transmissão de comportamentos aprendidos a novas gerações.

Glenn (2004) define cultura como “padrões de comportamentos aprendidos e transmitidos socialmente, assim como os produtos desses comportamentos (objetos, tecnologias, organizações, etc.)”’(p. 139). Aprendizagem compreende, segundo Glenn, recorrências de relações temporais de um único indivíduo diante de outros eventos empíricos.  Ao contrário disso, o locus do fenômeno cultural sempre envolverá “a repetição de comportamentos entrelaçados de dois ou mais organismos”. Em uma contingência operante típica, comportamentos de um podem funcionar como situação para o comportamento do outro ou como consequência ao comportamento de outro. Conforme Glenn, a transmissão cultural não depende de novos traços biológicos ou de novos processos comportamentais, “mas inicia novo tipo de linhagem, descrita como linhagem culturo-comportamental” (p.139) [grifo acrescentado].

Glenn define linhagem culturo-comportamental como a recorrência de instâncias comportamentais entrelaçados, aprendidas e transmitidas a novas gerações de integrantes de uma prática cultural. Linhagem culturo-comportamental é análoga a linhagem ou classe operante, que descreve a recorrência de instâncias comportamentais no fluxo comportamental de indivíduos. (Glenn, 2003, 2004)

A emergência e a evolução de uma cultura compreende, segundo Glenn, interações entre: (a) contingências que explicam a seleção comportamental em nível operante; (b) macrocontingência ou relação entre práticas culturais com a soma do efeito agregado dos macrocomportamentos constitutivos da prática; (c) metacontingências que explicam a seleção do entrelaçamento de conjuntos de práticas sociais particulares de instituições culturais. Glenn ressalta, em conformidade com Skinner (1953, 1981), que em todas essas relações o mecanismo causal é a seleção operante, em que reforçamento é o princípio fundamental, quer dizer, reforçamento é o princípio em que outros princípios se baseiam (Glenn, 2004, p. 134).

Glenn (2004) define práticas culturais como “padrões de conteúdos comportamentais semelhantes, resultantes, normalmente, de semelhanças nos ambientes” nos quais há recorrências dessas práticas (p.141). A única exigência para que padrões comportamentais sejam classificados como prática cultural é a existência de semelhanças nos comportamentais de vários indivíduos. Conforme Glenn, não é necessário envolver transmissão nem supor origem comum da prática. (Glenn, 2004, p.140)

Seleção cultural envolve, segundo Glenn, tipicamente, relações de macrocontingência e de metacontingências. Macrocontingência caracteriza-se como “relação entre uma prática cultural e a soma agregada de macrocomportamentos compreendidos na prática” (p.142). É o caso de milhões de pessoas que vão ao trabalho dirigindo o próprio carro, produzindo efeitos cumulativos (poluição atmosférica, por exemplo). Nesse exemplo, além de efeitos imediatos, que alteram a probabilidade da recorrência do comportamento de cada indivíduo (p. ex., chegar ao trabalho dentro de dado intervalo de tempo, gastando uma quantia específica com combustível e com supostamente mais conforto do que fazer o percurso por meio de transporte coletivo), a prática produz outros efeitos (não contingentes ao comportamento individual) que vão se acumulando ao longo do tempo. Cada ocorrência do comportamento envolvido em uma prática cultura aumenta, em alguma medida, o efeito cumulativo da prática, e soma dos efeitos cumulativos pode se tornar fonte de problemas para as culturas. Conforme Glenn (2004):

“Quanto mais disseminada for a prática, maiores seus efeitos cumulativos; quanto maior o efeito cumulativo, maior a importância deles para o bem-estar de grande número de pessoas. Cada pessoa contribuindo para o efeito acumulado contribui em proporção direta com a frequência de seu comportamento. É o efeito cumulativo do comportamento em uma prática cultural que constitui problema para pessoas de uma cultura”. (p. 143)

O fato de o efeito do comportamento de um único indivíduo parecer inexpressivo para o efeito cumulativo da prática representa mais um desafio para se realizar mudanças em relações de macrocontingência, como ressalta Glenn (2004) nesta passagem:

“Não é apenas uma questão de a consequência ser pequena demais, atrasada demais ou cumulativa demais para ter função comportamental, embora tudo isso seja verdadeiro e importante . .. mesmo que, por alguma mágica, fôssemos capazes de dar a essas consequências funções poderosas, a própria consequência pode ser anulada pelo comportamento de outras pessoas. Nosso trabalhador, altamente motivado a ter ar puro, pode pedir carona (Carpool) pelos próximos 20, 30 anos, mas se muitas pessoas não fizerem o mesmo, o ar não se tornará mais limpo”. (p. 141)

Nas relações de metacontingências o mecanismo de seleção opera sobre o entrelaçamento de conjuntos particulares de comportamentos e não sobre instâncias singulares. Relações de metacontingências originam, segundo Glenn, “coleções organizadas de contingências comportamentais que constituem complexas instituições culturais de vários níveis” (p.145). Neste  trecho de seu artigo, Glenn (2004) esclarece como se dão interações entre comportamento operante e seleção de/por metacontingências:

O conceito de metacontingência descreve evolução por seleção quando  linhagens que evoluem não são recorrências de atos individuais … mas recorrência de contingências comportamentais entrelaçadas (CCEs) que funcionam como unidades integradas e resultam em produtos agregados que afetam a probabilidade da recorrência de CCEs no futuro. A recorrência de CCEs compreende contingências operantes em que o comportamento de duas ou mais pessoas funciona como evento comportamental para o comportamento de outros. O resultado produzido pela recorrência de CCEs não é o efeito cumulativo de participantes agindo individualmente, mas o efeito do entrelaçamento comportamental. (pp. 144-145)

Glenn cita como exemplo de relações de metacontingências, comportamentos coordenados de duas pessoas preparando uma refeição, cujo produto – todos os pratos incluídos no cardápio, preparados em dado intervalo de tempo – não seriam igualmente produzidos se cada cozinheiro estivesse trabalhando individualmente. Nesse caso, o que é crucial para a seleção é o produto resultante do entrelaçamento comportamental e não o efeito acumulado do comportamento de cada cozinheiro agindo individualmente. (Glenn, 2004, p. 145)

Nas relações de metacontingências, ressalta Glenn, a mudança no comportamento dos participantes envolvidos na linhagem cultural quase sempre provoca ajustes nas contingências comportamentais entrelaçadas (CCEs) e representa oportunidade ou ameaça para a sobrevivência da linhagem. Encontram-se relações de metacontingências em empresas, com seus fornecedores e demais parceiros comerciais; escolas, com órgãos educacionais a que pertencem; universidades, com seus departamentos, entre outras organizações que funcionam como unidades, e, como tal, dependem da recorrência de CCEs para continuar a reproduzir as próprias práticas. Conforme Glenn (2004):

“Cada uma dessas unidades existe enquanto as contingências comportamentais entrelaçadas (CCEs) produziram resultados que aumentem a probabilidade de recorrência de CCEs. São todas entidades que podem mudar e evoluir ao longo do tempo ou podem desaparecer”. (p. 146)

Ao discutir semelhanças entre seleção comportamental e seleção de metacontingências, Glenn ressalta que mudanças comportamentais exigem que as consequências do comportamento sejam variáveis (podem variar em magnitude, intermitência, entre outras dimensões). Nota que eventos antecedentes podem afetar instâncias do comportamento, mas a recorrência do comportamento depende da consequência. Nesse ponto, Glenn retoma Skinner (1957), e afirma que comportamento operante muda o ambiente, e a mudança resultante pode alterar a probabilidade futura daquela classe de comportamento ou linhagem comportamental. De forma semelhante, contingências comportamentais entrelaçadas (CCEs) produzem dado resultado. Recorrências futuras de CCEs, assim como suas características, dependem de relações diferenciais entre instâncias comportamentais e seus produtos. Ou nas palavras de Glenn (2004): “Mudanças endógenas ou exógenas às CCEs poderão resultar em variações que produzem diferentes resultados e tais resultados podem aumentar ou diminuir a probabilidade de recorrência de CCEs no futuro” (p. 147).

Referências

Glenn. S. S. (2004). Individual behavior, culture, and social change. The Behavior analyst, 27,  133-151.

Skinner, B. F. (1981). Selection by consequences. Science, 13, 4507, 501-504.

Abertas inscrições para Grupos de Interesses específicos no Encontro da ABPMC

Até 15 de agosto, participantes do Encontro da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC) podem submeter propostas de criação de Grupos de Interesse Específicos (GIs). A ideia é oferecer espaço no Encontro para que profissionais, pesquisadores, docentes e discentes reúnam-se em torno de temas específicos, de interesse comum.

Para submeter proposta de Grupo de Interesse, o participante deve preencher uma ficha disponível no site do Encontro (http://encontroabpmc2013.com.br/) e enviá-la para o e-mail grupos@abpmc.org.br.

O 22º Encontro da ABPMC será realizado entre 11 e 14 de setembro em Fortaleza, na Fábrica de Negócios. A programação científica do evento já está publicada no site do Encontro.

A realização do Encontro da ABPMC no Ceará representa oportunidade ímpar para profissionais do Nordeste, cujo trabalho envolva estudo do comportamento humano (profissionais e estudantes de Psicologia, Psiquiatria, Neurociências e áreas afins), que poderão conhecer, em um só local, avanços no estudo do comportamento humano, realizados por pesquisadores brasileiros e estrangeiros.

Para obter mais informações sobre o XXII Encontro da ABPMC, visite o site do evento.

Para conhecer melhor a ABPMC, visite o site da instituição.

Dúvidas e informações podem ser obtidas também pelo telefone (85) 3099-0377.

Questões de ética na publicação científica

Contingências em vigor na forma de avaliação de publicações/trabalhos científicos acabam por estimular práticas que contrárias ao desenvolvimento da própria ciência. Um exemplo é dessas práticas é a pressão por publicação, levam alguns pesquisadores a publicar os mesmo artigos com quase nada de novidade em relação ao artigo original.

Contingências em vigor estimulam também pesquisadores renomados a assinar artigos de seus grupos de pesquisa mesmo que não tenha contribuído com o trabalho.

Um trabalho inspirador para discutir ética na publicação científica é o artigo Ethical dilemas in scientific publication: pifall and solution for editors, de autoria de Laragh Gollogly e Hooman Momen (Revista Saúde Pública, 2006).

Aqui, transcrevo o resumo do artigo, em português. E clique aqui para ler o texto integral, em inglês.

Editores de revistas científicas precisam estar atentos aos mecanismos de disseminação de condutas inadequadas no processo de publicação. Este artigo fornece definições, formas de documentar a extensão do problema e exemplos de iniciativas para conter fraudes editorias. Fabricação, falsificação, duplicação, autoria-fantasma, autoria concedida, falta de ética na aprovação de manuscritos, não-divulgação desses fatos, publicação “salami”, conflitos de interesse, autocitação, submissão e publicação duplicadas, e plágio são problemas comuns. A conduta editorial inadequada inclui: falha em seguir o processo devido, atraso nas decisões e comunicação com os autores, falhas na revisão, e confundir o conteúdo de um periódico com seu potencial promocional e de propaganda. Os editores podem ser advertidos por seus pares por não investigar comportamento científico suspeito, por não se retratar quando indicado ou não obedecer as seis principais fontes internacionais de orientação em pesquisa, publicação e política editorial. Os editores estão em posição privilegiada para promover práticas adequadas, adotando orientações éticas e claras sobre os procedimentos adotados nos periódicos. Assim, revisores, editores, autores e leitores terão condições de compreender e seguir as normas de publicação.