Um conselho de Hobsbawm

Gostaria de compartilhar um trecho do livro Sobre história, de Eric Hobsbawm (Companhia das Letras, 1998). O trecho encontra-se no primeiro capítulo do livro (pp.13-21). Originou-se de uma palestra do autor feita no início do ano acadêmico na Universidade da Europa Central em Budapeste, conforme o próprio Hobsbawm informa. Hobsbawm nota que por trás da história há um historiador que também tem uma história pessoal – que pode refletir no um jeito de apresentar fatos históricos. Não podemos, portanto, esperar neutralidade. Mas não podemos também inventar nossos fatos. “Ou Elvis Presley está morto ou não”, afirma o autor. O alerta de Hobsbawm vale para todos os contadores de história – pais, professores, jornalistas, blogueiros, autoridades religiosas. Hoje, com as possibilidades criadas pela Internet qualquer cidadão com formação acadêmica média pode escrever histórias e disseminá-las pelo mundo afora. A todos esses e outros contadores de história, vale a pena refletir sobre a seguinte afirmação de Hobsbawm:

Eu costumava pensar que a profissão de historiador, ao contrário, digamos, da do físico nuclear, não pudesse, pelo menos, produzir danos. Agora sei que pode. Nossos estudos podem se converter em fábrica de bombas, como os seminários nos quais o IRA aprendeu a transformar fertilizante químico em explosivos. (p.17).

Hobsbawm critica o que considera duas tendências modernas: a moda entre os romancistas de misturar ficção e fatos históricos e de intelectuais “pós-modernos” em afirmar que todos os fatos pretensamente objetivos não passam de construtos intelectuais, ou seja, desse ponto de vista, não existem diferenças explícitas entre fato e ficção.O autor propõe que os mitos sejam combatidos enquanto estão sendo construídos. “Temos de resistir à formação de mitos nacionais, étnicos e outros, no momento em que estão sendo formados”.

Conselho para futuros professores – Lembremos que Hobsbawm estava dialogando com estudantes, que poderiam se tornar futuros professores de história. A seguir, um trecho retirado da parte final de sua palestra (grifo acrescento por mim).

“Como estudantes desta universidade, vocês são pessoas privilegiadas. As perspectivas são de que, como bacharéis de um instituto conhecido e prestigiado, irão obter, se assim escolherem, uma ótima condição na sociedade, carreiras melhores e ganhos maiores que os de outras pessoas, embora não tanto quanto de prósperos homens de negócios. O que eu quero lembrar a vocês é algo que me disseram quando comecei a lecionar em uma universidade. ‘As pessoas em função das quais você está lá’, disse meu professor, ‘não são estudantes brilhantes como você. São estudantes comuns com opiniões maçantes, que obtêm graus medíocres na faixa inferior das notas baixas, e cujas respostas nos exames são quase iguais. Os que obtêm melhores notas cuidarão de si mesmos, ainda que seja para eles que você gostará de lecionar. Os outros são os únicos que precisam de você’.

 

Comentário:Tenho a impressão de que, ao contrário da posição de Hobsbawm, instituições de ensino e professores em geral dedicam-se mais aos alunos que menos precisam ser ensinados, alunos brilhantes, que tiram as melhores notas. Alunos que já têm repertórios suficientes, portanto,basta uma pequena ajuda do professor para continuar avançando. O mérito do método de ensino, porém, deveria ser medido pela capacidade da escola de ensinar quem mais precisa ser ensinado.