Minha amiga me conta, dizendo-se horrorizada, com a forma como seus vizinhos se separam. Diz-se chocada porque ele, o vizinho, é psiquiatria e ela, a vizinha, é psicóloga. Ambos dividem o mesmo consultório e são especialistas em terapia de casal. Minha amiga esperava, no mínimo, diz, uma separação amistosa, em razão do histórico do casal como terapeutas. Ela relatou alguns comportamentos que considerou atípicos para terapeutas de casal:
- Trocar a chave de casa e do consultório para que um dos cônjuges não entre na própria casa e no próprio consultório.
- Vasculhar a bolsa, agenda, conta bancária do outro;
- Partir para agressão física do outro.
Um dos problemas de idealizar o homem é pressupor que só porque alguém faz parte da espécie humana deveria ter bem desenvolvida a tal “racionalidade”. O outro é achar que só porque alguém tem determinado conhecimento – no sentido de saber descrever certas situações, certos fenômenos – é suficiente para esse alguém se comportar de acordo com seus conhecimentos. O fato de o casal de terapeutas saber descrever as condições necessárias para que outros casais resolvam os próprios problemas conjugais não implica, necessariamente, que os terapeutas saibam eles mesmos como lidar com os próprios problemas da vida a dois.
Se partimos do suposto de que o homem, só porque pertence à espécie humana, é um ser racional, ou seja, a tal racionalidade é um traço intrínseco, negligenciamos situações de ensino de aprendizagem para a chamada racionalidade ou o autocontrole, seja no ambiente familiar ou no acadêmico.
Outro aspecto que me chamou atenção no relato da minha amiga sobre a separação dos terapeutas refre-se à forma como olhamos para o outro. É muito fácil julgar e incriminar o outro por se comportar “inadequadamente” em certas situações. Mas nunca saberíamos como nos comportaríamos em situações semelhantes. E qualquer tentativa de descrever como nos comportaríamos se estivéssemos no lugar do outro em situação semelhante não passa de mera especulação. Não é honesta especular sobre isso simplesmente porque não estamos diante da mesma situação. E como disse David Hume, “O pensamento mais vivo é sempre inferior à sensação mais embaçada”.
Ou, ainda, como diz o ditado, uma coisa é falar e outra muito diferente é fazer.
De qualquer forma, poderíamos discutir o papel da escola na formação de pessoas que lidam diretamente com outras pessoas, cujo trabalho constitui uma tentativa de diminuir a dor no outro – como parece ser o trabalho de terapeutas e médicos – no fortalecimento de repertórios definidos como racionalidade ou autocontrole. Se autocontrole ou racionalidade é um comportamento importante para esses profissionais a escola deveria dispor situações de aprendizagem para que seus alunos aprendam e fortaleçam esses repertórios. Ou talvez a escola pudesse olhar para a forma como usualmente ensinam seus alunos a se comportar racionalmente ou com autocontrole. Em vez de punir o aluno que se comporta de forma considerada irracional, poderia reforçar repertórios que estejam na direção do fortalecimento da tal racionalidade.