Os desejos de Drummond

Desejos
 
Desejo a vocês…
Fruto do mato
Cheiro de jardim
Namoro no portão
Domingo sem chuva
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor
Filme do Carlitos
Chope com amigos
Crônica de Rubem Braga
Viver sem inimigos
Filme antigo na TV
Ter uma pessoa especial
E que ela goste de você
Música de Tom com letra de Chico
Frango caipira em pensão do interior
Ouvir uma palavra amável
Ter uma surpresa agradável
Ver a Banda passar
Noite de lua cheia
Rever uma velha amizade
Ter fé em Deus
Não ter que ouvir a palavra não
Nem nunca, nem jamais e adeus
Rir como criança
Ouvir canto de passarinho
Sarar de resfriado
Escrever um poema de Amor
Que nunca será rasgado
Formar um par ideal
Tomar banho de cachoeira
Pegar um bronzeado legal
Aprender uma nova canção
Esperar alguém na estação
Queijo com goiabada
Pôr-do-Sol na roça
Uma festa
Um violão
Uma seresta
Recordar um amor antigo
Ter um ombro sempre amigo
Bater palmas de alegria
Uma tarde amena
Sentar numa velha poltrona
Tocar violão para alguém
Ouvir a chuva no telhado
Vinho branco
Bolero de Ravel
E muito carinho meu
 
(Carlos Drummond de Andrade, 1902-1987)

Como se ensina uma criança a mentir

Meu filho, de 5 anos, gosta muito de carro, assim, carros em geral, são estímulos

que controlam fortemente suas conversações.

Desde cedo, ele costumava nos contar sobre suas preferências.

E dizia quando achava certos modelos “feios”. Eu tentava lhe explicar que a noção de bonito ou veio varia bastante de pessoa para pessoa.

Mas para encurtar a história, dizia que quando ele achasse um carro feio, não disse isso para o dono, pois o dono poderia ficar triste.

Com o passar do tempo, minha explicação sobre a relatividade da beleza foi se tornando mais rara, ao passo que foi se tornando cada vez mais freqüente a instrução de que ele não deveria contar para o dono do carro que achara o carro dele feio.

Agora, meu filho sempre que comenta sobre certos modelos de carros dos quais ele não gosta apressa-se em acrescentar que já sabe que não pode contar para o dono.

Talvez eu devesse ter persistido mais na idéia de que o conceito de beleza é variável. De qualquer forma, esse é apenas um exemplo de como a sociedade nos ensina a não dizer a verdade. Talvez porque a vida em sociedade seria insuportável se todos fossem ensinados a dizer apenas a verdade. O que seria da literatura se o mundo se resumisse a descrições perfeitas de objetos, propriedades de objetos ou estados da natureza?